Como as tecnologias sociais auxiliam na gestão de resíduos sólidos nas cidades?
A gestão de resíduos sólidos urbanos é um dos principais desafios socioambientais enfrentados pelas cidades contemporâneas, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil.
Esse problema é agravado por fatores como o crescimento populacional, a urbanização acelerada e os hábitos de consumo, que aumentam significativamente a geração de resíduos e pressionam os sistemas de gestão existentes.
Nesse contexto, as tecnologias sociais emergem como uma abordagem promissora para enfrentar os desafios associados à gestão de resíduos sólidos urbanos.
Essas tecnologias têm como característica fundamental sua capacidade de integrar soluções inovadoras, inclusivas e participativas, com potencial de gerar impactos significativos em termos sociais, econômicos, ambientais e culturais.
Mas o que são as tecnologias sociais?
As tecnologias sociais são reconhecidas como um conjunto de soluções que aliam conhecimento técnico-científico às práticas e saberes locais, visando promover transformações sociais inclusivas e sustentáveis.
As tecnologias sociais podem ser analisadas por meio de várias dimensões que refletem sua complexidade e impacto multidimensional.
Dimensão Ambiental
Essas tecnologias incentivam práticas como sistema de compostagem comunitária, a reciclagem e a adoção de soluções de baixo custo para o tratamento de água e energia renovável, beneficiando diretamente comunidades locais.
Dimensão Educacional
Programas de educação ambiental que utilizam tecnologias sociais, como jogos pedagógicos e oficinas comunitárias, ajudam a construir uma cultura de sustentabilidade. Essa dimensão também inclui a capacitação de lideranças locais para implementar soluções adaptadas às realidades das comunidades.
Dimensão Política
As tecnologias sociais promovem o fortalecimento da cidadania e o engajamento político das comunidades, criando espaços para a participação ativa na tomada de decisões. Exemplos incluem o estabelecimento de conselhos comunitários para discutir soluções de gestão de resíduos ou a inclusão de catadores em programas municipais de coleta seletiva. Essa dimensão também reflete a articulação entre setores público, privado e comunitário para viabilizar projetos.
Dimensão Tecnológica
Apesar de seu foco na transformação social, as tecnologias sociais também abrangem soluções tecnológicas inovadoras. O uso de ferramentas simples, mas altamente eficazes, como aplicativos de mobilização social ou sistemas de monitoramento de coleta seletiva, potencializam os impactos positivos das iniciativas.
Na área de gestão de resíduos, as tecnologias sociais contribuem ao promover soluções colaborativas, como coleta seletiva participativa e educação comunitária sobre separação de resíduos.
A integração de tecnologias sociais na gestão de resíduos sólidos urbanos é fundamental para promover soluções inclusivas e sustentáveis. Cooperativas de catadores, plataformas digitais para conscientização e sistemas de coleta participativa são exemplos de como as tecnologias sociais podem transformar a gestão de resíduos, aumentando a eficiência e a inclusão.
Lixo Zero
O conceito de Lixo Zero tem ganhado destaque como uma abordagem sistêmica para repensar a gestão de resíduos sólidos, promovendo a redução máxima da geração de resíduos e o reaproveitamento completo de materiais descartados.
Segundo a Zero Waste International Alliance (ZWIA), o Lixo Zero é definido como “a conservação de todos os recursos por meio da produção, consumo, reutilização e recuperação responsáveis de produtos, embalagens e materiais, sem queimar e sem descartar em solo, água ou ar”.
Os princípios do Lixo Zero enfatizam a prevenção de resíduos na fonte e a promoção de práticas que priorizem a reutilização, reciclagem e compostagem.
O conceito de Lixo Zero está intrinsecamente ligado à sustentabilidade e ao uso de tecnologias sociais. Iniciativas como cooperativas de catadores, programas de compostagem comunitária e redes de logística reversa são exemplos de como o Lixo Zero pode ser operacionalizado por meio de soluções inclusivas e participativas.
Economia Circular
A economia circular representa uma mudança de paradigma em relação ao modelo linear de produção e consumo, baseado no princípio de “extrair, produzir, descartar”. Em contraste, a economia circular busca fechar os ciclos de materiais e energia, promovendo a reutilização, a reciclagem e a regeneração de recursos para minimizar o impacto ambiental e criar sistemas mais resilientes e sustentáveis.
Os princípios da economia circular podem ser resumidos em três pilares principais:
- Preservação do Capital Natural: manter e restaurar os recursos naturais, promovendo sua reutilização e regeneração.
- Otimização de Recursos: maximizar o uso de materiais e produtos ao longo de seu ciclo de vida, por meio de estratégias como reciclagem, remanufatura e design para durabilidade.
- Fomento à Inovação: estimular a criação de novos modelos de negócios, como economia compartilhada, plataformas de troca e sistemas de logística reversa.
Embora o conceito de economia circular tenha ganhado destaque como uma abordagem inovadora para a sustentabilidade, sua implementação enfrenta uma série de desafios significativos.
Um dos principais obstáculos é a necessidade de mudança de mentalidade entre consumidores, empresas e governos.
Outro grande entrave é a falta de infraestrutura e tecnologia adequadas. Muitas regiões, especialmente em países em desenvolvimento, não possuem sistemas eficientes de coleta seletiva, instalações para triagem ou capacidade técnica para reciclagem avançada.
Além disso, a ausência de políticas públicas robustas e incentivos econômicos específicos dificulta a adoção de práticas circulares por empresas e indivíduos. Incentivos fiscais, subsídios para inovação e regulamentações claras que promovam a economia circular são fundamentais para criar um ambiente favorável à mudança.
Considerações finais
As tecnologias sociais desempenham um papel essencial na promoção de soluções inclusivas e sustentáveis para os problemas relacionados aos resíduos sólidos.
Projetos baseados em cooperativas de catadores, educação ambiental e redes de logística reversa têm se mostrado eficazes na redução de impactos ambientais e na geração de benefícios socioeconômicos.
A integração das tecnologias sociais com os princípios do Lixo Zero e da economia circular possui um enorme potencial para transformar a gestão de resíduos sólidos urbanos em um sistema mais resiliente, sustentável e inclusivo.
A adoção dessas práticas, embora desafiadora, representa uma oportunidade única para construir cidades mais justas e ambientalmente responsáveis.
Referências utilizadas para redigir o artigo:
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